QUEM FOI REI ...

QUEM FOI REI ...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Louise Ingram Rayner

          Desta vez prestarei homenagem a uma artista inglesa cuja obra flutua num limbo escuro. Não há nenhum livro publicado sobre ela, pouquíssimas vezes é citada e quando é, de forma abreviada.. A página dela no Wikipedia é injusta para a estatura que ela merece. Trata-se de LOUISE INGRAM RAYNER.
           Tem semelhança com Ettore Franz, uma vez que ela retratou inúmeros lugarejos, vistas de cidades, ruas, prédios etc....antes de serem demolidos. Para quem observa, como nós, essas construções são mágicas pela beleza e pela evocação de tradição, antiguidade e do pitoresco. No entanto, pelos padrões mais modernos da época, eram consideradas extremamente insalubres e perigosas, sem instalações sanitárias adequadas, pouca ventilação, etc....
          Ainda bem que algumas almas generosas e de talento doaram seu tempo para retratá-las antes que desaparecessem de vez.
          Artistas como Louise Rayner, Ettore Franz e outros que mais tarde trarei, produziram obras que estão bem à frente da fotografia. Nenhuma Nikon conseguiria chegar perto do sentimento e da beleza que esses pintores conseguiram com seus pincéis.
          Existem dezenas e dezenas de obras dela, mas eu selecionei meia dúzia, suficientes para que se possa avaliar sua destreza e, em paralelo, o que é possível fazer com a modesta aquarela e boa técnica. Ela era especialista em retratar a população na rua e em seus afazeres corriqueiros...crianças brincando, chorando, pessoas trabalhando, discutindo, conversando, comprando, vendendo e todos os etc... possíveis. Como diz a sabedoria popular: "Fácil, para quem sabe."
          Pode ser que nem todos gostem desses temas ou os achem antiquados, mas o que ninguém pode negar é a classe, a elegância, a firmeza e a sinceridade que essas aquarelas nos oferecem.


Head of West Bow / Testa da rua West Bow, circa 1877.

          Soberba aquarela!!! O que se pode alcançar com paleta reduzida e total competência! Observar essa luz quase vertical, incidindo nas paredes do prédio. Um show de técnica. Nada de cabeças coroadas ou palácios de ricos e famosos. É a beleza arrancada do mundo paisano, das habitações e construções mais modestas, com roupas penduradas e, no entanto nesse caso e em tantos outros na obra dessa grande artista, de uma dignidade infinita. Ali estão todas as rugas, defeitos, cicatrizes e queixumes que a idade traz e lá está também o retrato sem retoques da vida como ela é. Impossível não se encantar com isso.
       






          Outra vista do mesmo prédio, pintada por Louise Rayner, sem data, com algumas licenças artísticas e modificações arquitetônicas e tonais que, entretanto, não tiram a beleza da obra. Observar a profusão de vida na rua. Importante notar o domínio completo das cores. Nenhuma nota dissonante, nenhum detalhe descuidado. As obras dela são como orquestras completas à todo vapor, em meio a complexa sinfonia, mas todos os músicos trazidos harmoniosamente controlados sob a batuta de quem realmente sabe.





The Butter Market at Ludlow / O Mercado da Manteiga em Ludlow, circa 1865

          Nessa impressionante aquarela, Louise Rayner realmente se deixou levar quanto à pintura de pessoas. Só no 1o plano são mais de 60 figuras. Todos os detalhes arquitetônicos foram cuidadosamente anotados, em especial a maestria na aplicação das cores, como sempre. Para quem gosta de detalhes, notar as lanternas no prédio do mercado de manteiga. A do lado direito, pode ser facilmente vista contrastando com o fundo escuro, mas a do lado esquerdo mesmo em fundo claro, está perfeitamente representada, com vidro e tudo. Observar os inúmeros pássaros também.






View of the Half Moon Battery of Edinburgh Castle from Candlemaker Row / Vista da Bateria Meia Lua do Castelo de Edimburgo da rua Fabricante de Velas, sem data.


          A Bateria Meia Lua pode ser vista na bruma da distância, como a plataforma semi-circular de canhões como acréscimo do castelo, exatamente na parte central superior da obra. A bateria pode ser meia-lua mas o quadro é uma galáxia de detalhes e um tratado de perspectiva.




          Vista quase idêntica à anterior, também pintada por ela, com tratamento tonal totalmente diferente e uma leve compressão de planos da retaguarda, para evidenciar a majestade do castelo e sua importância para a cidade de Edimburgo.






Leicester Hospital, Warwick / Hospital de Leicester, Warwick, sem data.

          Apesar do nome do prédio à direita ser Hospital, ele nada tinha a ver com tratamento de saúde. A definição antiga da palavra em inglês referia-se à instituição dedicada a acolher e manter pobres e necessitados incluindo antigos soldados e suas esposas. Louise Rayner utilizou-se de licença artística ao dramatizar a posição dos prédios na pequena colina.








Old Houses, Shrewsbury / Velhas Casas, Shrewsbury, sem data.

          Belas casas decrépitas.






Oriel College, Oxford / Faculdade de Oriel, Oxford, sem data.

          Louise Rayner adorava alterar os planos de fundo para dar drama ao tema. Nesse caso, a igreja foi bastante aproximada.

       





          Há inúmeras outras obras dela, tão boas ou melhores que as mostradas. Uma verdadeira aquarelista que merece ser lembrada sempre.








Le Fantôme D'Ansac / A Fantasma de Ansac


domingo, 3 de janeiro de 2016

Primórdios da Aquarela - Albrecht Dürer

           "If a man devotes himself to art, much evil is avoided that happens otherwise if one is idle".
            Albrecht Durer

          "Se um homem se dedica à arte, muito mal é evitado que do contrário acomete o ocioso"

         

          A aquarela tem milhares de anos de história. No entanto, foi no Renascimento que ela ganhou projeção, graças a poucos artistas precursores que passaram a utilizá-la como expressão final de sua arte e não apenas como coadjuvante em estudos preliminares, esboços ou cartões de transferência de obras a serem executadas com outras técnicas.
          Um desses artistas, se não o mais importante, foi Albrecht Dürer (1471 - 1528), gênio alemão, gravador por excelência, desenhista precoce, ourives, pintor e aquarelista. Graças ao grande número de fontes, é o artista da época mais bem documentado da Renascença do Norte. Tinha por hábito registrar sua vida em diários e anotações.
          Foi o primeiro artista que se conhece que retratou em aquarela temas considerados na época insignificantes, como animais e vegetais. Dürer tinha apreço pela natureza e fez diversas obras diretamente do natural.
          Para quem estuda aquarela, é imprescindível estar familiarizado com certas imagens icônicas, razão pela qual mostro algumas, desse monstro da pintura chamado Dürer. São obras de amor que, apesar de terem mais de 500 anos, são tão atuais. Todo aluno de arte viu ou tem que ver pinturas como essas, para nunca mais as esquecer.
          Apesar de não ser exatamente pertinente à aquarela, incluí um desenho para lá de famoso de sua autoria, marca registrada do artista (dentre tantas outras), que é apenas um estudo para um altar de uma igreja em Heller, representando as mãos de um apóstolo. Não são duas mãos quaisquer .... são .... bem .... deixa assim; cada um analisa para si, como em uma oração.



A famosa "Jovem Lebre", de 1502;






"Grande Pedaço de Relva", de 1503;

 





"Asa de Roleiro Europeu" (Coracias garrulus), de 1512; e






Não poderia deixar de mostrar o estupendo desenho "Mãos que Oram" de 1508.






           Estas são algumas das aquarelas mais difundidas dele. É imprescindível conhecer também outras aquarelas, desenhos, gravuras e principalmente seus óleos, que colocam Albrecht Dürer no seleto grupo de artistas imortais e atemporais que devem ser objeto de estudo aprofundado para quem quer ter bom conhecimento sobre a verdadeira arte da pintura.

sábado, 2 de janeiro de 2016

 "If you hear a voice within you say 'you cannot paint,' then by all means paint, and that voice will be silenced."
"Se você ouvir uma voz dentro de você dizer 'você não consegue pintar', então pinte com todo o empenho, e aquela voz será silenciada."


         Tenho preferência por temas arquitetônicos, marinhas, paisagens e barcos. Quanto mais antigos, melhores. Ao longo dos anos fui construindo um arquivo de imagens de referência. Sempre uso fotos ou desenhos; não uso pinturas alheias como referência, salvo de pintores consagrados.
          Tenho a impressão de que não se ganha muito quando se usa como referência aquelas revistas de pintura encontradas em bancas de jornal. As pinturas ali retratadas são, via de regra, deficientes. Deve-se fazer um esforço para evoluir e usar imagens mais adequadas.
          Copiar de pinturas só vale quando o aluno usa os mestres como referência e mesmo assim, sob orientação do professor que vai mostrar os atributos que tornam aquela determinada obra um exemplo a ser copiado. Aí sim, o aluno aprende, cresce, vislumbra o verdadeiro TRABALHO que uma obra de arte deve ter para ser reconhecida como tal. Isso exige conhecimento do professor, que certamente analisará a imagem com antecedência em classe e mostrará aos alunos a estratégia da construção, os detalhes técnicos, os momentos histórico e social da época (se cabível) para a existência daquela pintura, etc... Daí para a cópia. Isso sim é que é estudar arte com seriedade.
          Aquele mesmo Jean-Auguste-Dominique Ingres (1780 - 1867), do qual usei uma citação, fez outra bem apropriada; em tradução livre: "Faça cópias, jovem, muitas cópias. Você só pode se tornar bom artista copiando os mestres."
       
          Nada se compara à natureza quando se procura algum tema para pintura. Seja com modelos posando, uma paisagem, um casario, uma praia, etc, nada como pintar do natural. Nos tempos modernos, no entanto, é uma temeridade ficar exposto por longo tempo em qualquer local, especialmente em finais de semana e horas de pouco movimento. Só estando em grupo grande. A alternativa é usar fotos, de preferência tiradas pelo próprio artista (o que dá uma satisfação ainda maior quando a pintura fica pronta). Quando o tema é anterior ao surgimento da fotografia, o único jeito é usar desenhos fiéis ou artistas que o retrataram antes. Pode-se usar licença artística claro, mas isso só vem com a experiência e o conhecimento.
          Para a escolha de uma boa referência, entretanto, são tantos os detalhes, a grande maioria baseados nos fundamentos do desenho artístico, para que o resultado seja interessante, agradável e competente.
          A internet permite uma infinita variedade de assuntos e imagens, é só ter paciência para buscar.






Mais um desconhecido: Attilio Pratella (1856 - 1949), pittore italiano especialista em marinhas. Uma beleza. Vale a pena uma boa pesquisada nesse aquarelista.


                                                "Barcos de Pesca na Costa"












Pintura na face da frente de livros

"You use a glass mirror to see your face; you use works of art to see your soul"
(George Bernard Shaw)

Tradução livre: "Você usa um espelho para ver seu rosto; você usa obras de arte para ver sua alma"
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          Para quem gosta de ver até que ponto pode-se usar a aquarela, deem uma olhada nesse site para descobrir.


http://www.thisiscolossal.com/2013/09/fore-edge-book-paintings/


          Imagina descobrir na sua biblioteca um livro desses, com a imagem escondida de todos os que o folheiam.

Páginas fechadas normalmente:





Páginas levemente torcidas:



          Se for aberto normalmente, ninguém suspeita que há uma pintura na face do livro.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

                   Continuando a postagem de 26/12/2015... e a 1a postagem de 2016


          Passei um tempo ligado a um grupo de pintura de rua. Muito interessante experiência, mas para mim, acabou sendo frustrante. Não tenho facilidade para pintar à la prima, ou seja, pintar um quadro em poucas horas, no momento, no instante em que estou na rua. Meu temperamento é mais para pintura em atelier, com mais vagar e controle. Com o passar do tempo, comecei a ficar com várias telas inacabadas em casa, sem paciência para terminá-las. Lógico que perdi o interesse e, também por outros motivos, acabei não indo mais às manhãs de domingo na rua.
          Após alguns anos de inatividade, uma das pessoas do grupo me instigou a voltar a pintar com ela. Eu disse que não tinha mais motivação para pintar à óleo e ela sugeriu aquarela. No início hesitei por absoluta falta de experiência e por achar, como quase todos, que era uma técnica difícil. Para encurtar a conversa para boi dormir, em 2009, abriu-se um novo universo, uma nova etapa na minha vida. Sob a excelente orientação dela abracei a técnica e não quero mais saber de óleo. Investi pesado em livros e material e os resultados estão aparecendo.
          Nosso grupo de aquarela já expôs diversas vezes e estamos empenhados em nos aperfeiçoar cada vez mais.
          Há cerca de dois anos, já voo sozinho, mas não deixei de frequentar seu atelier. O contato com o grupo de lá é altamente produtivo e prazeroso.
          Dentre tantas coisas interessantes que ela mostrou, o uso de pratos para a confecção da paleta de tintas foi fundamental. Como já tinha experiência de tantos anos no óleo, misturar tintas não era segredo para mim e me adaptei instantaneamente.
          Alguns professores insistem que o aluno deve manter sua paleta com poucas cores para, através da mistura, obter-se qualquer cor. Concordo, quando na fase de aprendizado. No entanto, pergunto: "Quem conseguiria obter todas as nuances de cor que o espetacular Signore Ettore R. Franz aplica em suas jóias, com apenas 8 ou 10 cores?" Certamente levaria meses e, dependendo da cor, não a obteria nunca, uma vez que a mistura de cores tende a fazê-las perder a intensidade do matiz e o resultado é quase sempre cores "sujas" e monótonas.
         Consigo resultados bem interessantes com meus pratos, dos quais mostro um deles:




          Detalhe muito importante é desenvolver um padrão pessoal para a arrumação das cores em uma paleta, seja ela de óleo, acrílica, aquarela, etc... Como disse em uma outra postagem, meu padrão é o estritamente acadêmico, ou seja,, brancos, cores quentes, cores frias e as terras, exatamente como está no prato. Notar que deixo algumas vagas entre elas, para a eventual adição de nova cor. Nunca usei preto, nem no óleo. O preto estraga, mata, anula qualquer cor. Uma mistura de Van Dick ou Gris de Payne com um azul fechado, dá uma cor próxima do preto mas com uma profundidade ótima. Outras combinações de cores também resultam em bons escuros.
          Com o tempo, você nem precisa saber o nome da cor que está no prato. O cérebro já identifica o lugar e a cor exata para o que se quer, sem que haja perda de tempo na sua confecção. O pincel vai direto, no automático.
          É sempre conveniente "temperar" a cor, ou seja, não usá-la diretamente "do tubo". Traga-a para o centro da paleta e apenas "toque" com alguma outra, para quebrar a intensidade original. Obtém-se um resultado mais refinado, sem cores muito vistosas (é o meu gosto).
          Difícil dar informações técnicas em tão curto espaço, mas com uma boa biblioteca básica e/ou bom/a orientador/a e o mais importante, prática constante, o interessado acaba achando seu caminho.
          (Vem mais coisa)