Não tenho interesse em elaborar tutoriais que ensinem a pintar com aquarela. A internet tem milhares deles. É melhor usar esse espaço para dar e receber boas dicas e observações, fruto da experiência pessoal de cada um. Sendo assim, vamos assumir que já existe conhecimento prévio por parte dos leitores. Cada um tem sua técnica e seu material que julga satisfatórios.
Tenho a impressão de que, como tudo na vida, se se quer ter resultados melhores, deve-se usar materiais de boa qualidade. Não adianta trabalhar com aqueles blocos de "papel para aquarela", aquelas bisnaguinhas de "tintas para aquarela" que custam baratinho e aqueles pincéis de jornaleiro que os professores mandam o iniciante comprar nas papelarias da esquina. É uma enganação e o efeito no aluno quase sempre é o de desestimulá-lo para a aquarela. O resultado é sempre abaixo do mínimo. Por esses motivos, tanto se ouve dizer que a aquarela é uma técnica difícil, não admite erro, etc..... Nada mais longe da verdade.
Não gosto muito de clichês mas às vezes são úteis:
a) Qualidade tem preço; e
b) Compre o material de melhor qualidade que puder; sempre.
É claro que, quando a decisão de praticar aquarela é tomada, é necessário estudar e aceitar suas limitações. Essas limitações são bastante variáveis, de acordo com a qualidade do material que se usa. Só a experiência pode mostrar a cada um o grau de tolerância que cada papel, tinta ou pincel pode lhe dar. Já trabalhei com papéis caríssimos que não são, a meu ver, amigos do artista. É o caso de um determinado papel inglês que usei com o qual não me adaptei logo nas primeiras pinceladas e, no entanto, é um dos prediletos de uma colega. Alguns pincéis ditos de boa qualidade, em poucos mergulhos na água, viram espanadores.
Aqui no Rio de Janeiro, são poucas as lojas que têm material de boa qualidade à disposição do aquarelista. Na internet o interessado acaba achando, mas os preços são extorsivos. Uma boa alternativa é comprá-los no exterior e enviá-los ao Brasil. Mesmo com as taxas alfandegárias, o valor final compensa.
Não tenho como meta fazer lista de lojas especializadas e elencar marcas de materiais de melhor ou pior qualidade, para evitar favorecimentos, mesmo que não intencionais. Não tenho compromisso com ninguém nem com empresa alguma,
Quem se interessa de verdade pela aquarela, já tem suas marcas preferidas e sabe onde as encontrar. Quando viajo ao exterior, sempre trago papéis, tintas e pincéis. É nesse tripé, salvo melhor juízo, que o aquarelista deve se concentrar para conseguir executar trabalho de melhor qualidade.
Como devem ter visto nas aquarelas que postei (e vou continuar postando), todas de minha autoria, tenho um viés bem conservador e "acadêmico" para as minhas obras. É o meu jeito e gosto assim. Sou firme defensor de que, para se fazer uma boa pintura (não que considere as minhas boas, bem entendido), há que se ter bom desenho. Um dos artistas de maior expressão da França, Jean-Auguste-Dominique Ingres, tão amado e tão odiado (injustamente) disse, dentre tantas outras citações semelhantes e em tradução livre: "O Desenho é tudo, exceto a cor." Creio que ele está certíssimo. Mesmo para os abstracionistas, contemporâneos, etc... é fundamental ter sólida base de desenho artístico para depois, se achar do seu gosto, enveredar por outros caminhos. Basta observar que quase todos os grandes artistas modernos tiveram, no início, boa formação de desenho. Salvador Dali, por exemplo, nas suas mais oníricas obras, aplica sólidos conhecimentos de desenho.
Quando comecei tardiamente minha jornada na arte, já sabia da importância do desenho. Fiz questão de procurar um orientador que me desse essa base e felizmente o encontrei na pessoa do meu saudosíssimo e inesquecível Professor Viçoso Freire, um pequeno português de gigantesca sabedoria e humildade, de quem me lembro TODAS as vezes que lanço o desenho de uma nova aquarela. Nunca me deixou pegar em cor por 2 anos. Me ensinou o que pôde do desenho artístico. Ficou muito aborrecido quando eu lhe mostrei um pequeno óleo que havia feito em casa, pois meu treinamento no desenho ainda não havia terminado. Infelizmente, ele faleceu logo depois e o que se seguiu achou que pintar era mais importante que ensinar os fundamentos do desenho de forma correta e, na sua primeira aula, já entrou com cor. Após algum tempo, obviamente, abandonei as aulas com essa pessoa e prossegui de forma autodidata no óleo. (continua...)